sexta-feira, 17 de abril de 2009

Os últimos dezoito anos:
resenha do livro de Rogério Ceni

Muitos dos torcedores rivais dizem que Rogério Ceni é arrogante, que gosta de falar difícil e que por isso é protegido pela mídia. Mas, se ele fosse mesmo arrogante, convidaria um jornalista para assinar sua primeira autobiografia com ele, ou contrataria um "ghost writer" e ficaria com todos os créditos para si?

Com a ajuda do escriba André Plihal (são-paulino fanático e repórter da ESPN Brasil), Rogério realça os 18 anos de carreira profissional, permeada de recordes e glórias. Mas como destacar esses episódios, tão vitoriosos, sem evocar a imagem de presunção que tantos torcedores rivais imputam sobre ele? Sinceramente, é missão impossível. No livro, Rogério não é arrogante, mas descarta completamente a falsa modéstia, tão lugar-comum e tão desprezível. Isso dá ao relato um valor inestimável, posto que é honesto.

E, através da carreira do camisa 01, fazemos uma retrospectiva interessantíssima dos últimos 15 anos de vida do Tricolor Paulista! A organização do texto é inteligente, porque começa com referências recentes -- menções ao momento da escrita, às vésperas do cobiçado tri-hexa -- e então rebobina a fita para seguir em ordem cronológica, deixando de fora apenas o capítulo destinado ao Mundial de 2005. Este, apropriadamente, fecha o livro, como o ponto máximo da carreira do goleiro-artilheiro.

Rogério, a pessoa, se revela no formato do livro. A narrativa evita quase que completamente a vida pessoal do jogador, começando com seu primeiro título pelo Sinop, em Mato Grosso, ainda sem contrato profissional, e terminando com a primeira contusão do craque em 2009 -- não há, claro, menção à fratura que o afastou por seis meses do futebol. Os únicos momentos em que a vida pessoal do atleta transparece são os que ela se entrelaça com a vida profissional. Mas Rogério mostra, no geral, que é um sujeito bastante reservado, que preza acima de tudo a privacidade familiar.

Sentimento confesso, sem demagogia. Na festa da conquista da Libertadores 2005, Rogério admite, ele não foi -- preferiu ir para casa curtir o momento com sua mulher e suas filhas. Aliás, se tem uma coisa que transparece da vida pessoal ao longo do relato é o romance "conto de fadas" com Sandra, com quem namorou desde a chegada a São Paulo e mais tarde se casou.

De resto, é uma bonita trajetória de um menino humilde, trabalhador, pé-no-chão, família, que chega ao SPFC na esperança de despontar no futebol. É, por si só, um alívio ver que nem todos os jogadores de futebol começam a carreira em busca de fama e fortuna -- postura que, invariavelmente, leva apenas a episódios constrangedores e controvertidos (vide Robinho, Ronaldos e Adriano, só para citar os dos últimos anos). Obcecado pelo mérito, Rogério lutou para conquistar todas as glórias que teve até hoje.

O livro também é um precioso insight nos bastidores da vida dos jogadores do Tricolor, desde 1993 -- quando Rogério foi reserva de Zetti no Mundial -- até agora. Vários episódios tumultuados da trajetória do São Paulo são espelhados pela vivência de Rogério -- o castigo nos pênaltis frente o Vélez Sarsfield, em 1994, os times medíocres da época da reforma do Morumbi, a dolorida perda da Copa do Brasil para o Cruzeiro e a desclassificação da Libertadores de 2004 (com a desastrada ação motivacional de Cuca antes do jogo) são os mais marcantes.

Rogério também fala de forma bastante honesta de sua passagem pela Seleção e admite: não rendeu com a camisa canarinho o que rendeu no Tricolor.

Agora, minha crítica ao livro: ficou faltando contar melhor o episódio mais sinistro do goleiro pelo Tricolor -- o afastamento dele pela diretoria por um mês, evento que quase culminou em seu desligamento do clube. Especulações na época diziam que ele teria recebido uma proposta do Arsenal e, por isso, pleiteava aumento de salário. Rogério, para evitar controvérsias, conta a história apenas a partir da suspensão e não dá sua versão dos fatos para o que teria levado a ela.

É um relato que faz falta e não passará batido, da forma discreta que os autores queriam que passasse. (Em defesa de Rogério, talvez a versão "definitiva" dessa história não possa mesmo ser contada por algum dos protagonistas; alguém um dia terá de entrevistar todos os envolvidos e reconstruir, de forma imparcial, os eventos que se deram na época.)

Apesar disso, é um livro saboroso -- econômico nas palavras, de leitura agradável e fluida -- que trará grandes recordações dos últimos 15 anos da vida Tricolor. Os principais personagens -- Telê, Autuori, Muricy, Rojas, Raí, Zetti, Ricardinho, Lugano, Mineiro e, claro, Rogério Ceni -- estão lá. Trata-se, portanto, de um item imprescíndivel à biblioteca do fanático torcedor são-paulino.

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