terça-feira, 18 de novembro de 2008

Futebol na Terra da Rainha

ATENÇÃO: mega-post à frente. Prossiga com paciência.

Na semana que passou, um compromisso profissional me levou à Inglaterra, terra onde nasceu o futebol. Como freqüentador assíduo do Morumbi -- e ouvindo tantas críticas de tanta gente sobre a infra-estrutura que o Brasil tem (ou não tem) para sediar a Copa 2014 --, tive de aproveitar a oportunidade para tentar ir a um jogo de futebol na terra da rainha.

Na quarta-feira passada, rolou Chelsea x Burnley. O torneio era a Carling Cup, copa em formato mata-mata com confrontos em um jogo só disputada por times de todas as divisões da Inglaterra. O jogo era a estréia do nosso glorioso Mineiro entre os titulares do Chelsea, e o torneio de pouca visibilidade era a oportunidade perfeita para tentar ir ao jogo.

Mas nada é tão fácil. Lá na Europa o costume de comprar ingressos antecipadamente -- mesmo em jogos de pouca expressão -- está completamente disseminado. Uma semana antes de eu sair do Brasil, os tickets já estavam esgotados. Restava-me apenas apostar no "jeitinho brasileiro", os famigerados cambistas, para tentar entrar.

A ida ao estádio

Chegou o dia do jogo. Meus compromissos profissionais terminaram às 18h30, e a bola começaria a rolar às 19h45. Calculei que teria de correr para ter alguma chance.

Em Londres, a rede de metrô é imensa. Meu hotel estava numa região bem central da cidade e muito próximo a uma estação do tube londrino. E lá fui eu, vestindo o manto sagrado tricolor, tentando chegar em Stanford Bridge, tradicional casa do Chelsea.

Logo na minha estação de saída, vi um cara com dois moleques, os dois meninos totalmente paramentados com as cores do Chelsea. A despeito da tradicional frieza inglesa, achei que o calor do futebol falaria mais alto e arrisquei puxar papo.

- E aí, estão indo para o jogo?

O pai dos moleques respondeu:

- Claro! Não, na verdade não, eles se vestem assim todo dia.

OK, o humor inglês continua afiado como de costume. Respondi.

- Estou indo para o jogo também.

O cara olhou para minha camisa e brincou:

- Nossa, mas você pelo visto pegou o trem errado, porque você está beeeem longe de onde devia estar!

Quem disse que na Inglaterra não se vê futebol brasileiro? Ele conhecia o Tricolor e as nossas competições. Até fez uma avaliação.

- A impressão que dá é que vocês jogam algo como 980 jogos por temporada! Tem até uma coisa regional, que acontece no início do ano, não?

Não é inacreditável conhecer um inglês que vê Campeonato Paulista? Pois é. Mas existe. Ou melhor, existia. Ele disse que os jogos costumavam passar por lá no EuroChannel, mas não mais atualmente.

Ele comentou também o problema que o Brasil tem para encher seus estádios, mas atribuiu isso à falta de dinheiro das pessoas para comprar os ingressos. Expliquei que não era o caso, pois os ingressos são relativamente baratos no Brasil; o problema é a desorganização e a violência.

Chegou o trem, eles conseguiram entrar (hora do rush!), eu não. Desejaram-me boa sorte e se foram.

Peguei o próximo e vi outros dois torcedores do Chelsea. Encorajado pela simpatia do primeiro, tentei puxar papo com esses também. Mas em vão. Também tem gente antipática lá.

E ao fazer a baldeação para tomar o rumo final para o estádio, entro no trem e ouço um casal comentar: "Olha um são-paulino aí."

- Brasileiros?

- Opa, claro!

A menina era palmeirense; o rapaz, santista. Ela estava morando em Londres havia alguns meses, com passaporte europeu; ele foi para lá estudar. E o cara estava com o casaco do Chelsea e ficou claro que também ia para o jogo.

- Vocês já têm ingresso?

- Eu já, ela não. -- respondeu o rapaz.

Decidimos então ir os três juntos, na esperança de conseguir duas entradas adicionais -- uma para mim, outra para ela.

A estação de metrô onde descemos era simplesmente *do lado* do estádio. Mas, se não fosse dia de jogo, seria difícil identificar o dito cujo. Do lado de fora, o Stamford Bridge parece um prédio comercial qualquer. Ninguém diz que aquilo é um estádio.


Ao nos aproximarmos, um cheiro de fritura se espalhava no ar. Não eram os nossos tradicionais sanduíches de pernil, mas algo como a versão inglesa deles. E um mundo de gente é um mundo de gente em qualquer lugar do planeta. Se você não gosta de gente amontoada, não vá ao estádio, nem aqui, nem em lugar nenhum.

Próxima missão: achar o cambista.

Os ingressos

Enquanto procurávamos alguém que pudesse nos vender ingressos, demos uma olhada nas imediações. Há, na frente do estádio, alguns painéis bonitos, com fotos do time. Numa delas, é a delegação inteira, e uma cadeira vazia -- para que visitantes sentassem ali e tirassem uma foto. Eu, claro, tirei a minha.


E anda pra lá, anda pra cá, um sujeito bem-vestido me aborda e pergunta:

- Do you need tickets?

É nóis!

- Precisamos de dois.

O cara saca dois ingressos do bolso e dá para mim, enquanto instrui: "Continue andando, continue andando."

Agora falta pagar.

- Quanto você quer pelos ingressos?

- Quanto você pode pagar?

Eu parei para pensar um pouco e ouvi mais uma vez o sujeito:

- Continue andando, continue andando. Ou a gente vai acabar sendo preso.

Prossegui andando e propus meu preço.

- Trinta e cinco libras.

O preço de bilheteria era 20 libras.

- Não, sem chance. Sessenta.

- Sessenta? Só se for pelos dois!

- Não, sessenta cada um.

- Sessenta não dá. Sem chance. Quarenta.

- Quarenta e quatro.

- Quarenta.

- Quarenta e quatro.

- Pô, quarenta já é o dobro do preço. Tá bom, né?

- Tá bom, quarenta.

Saco uma nota de 50 libras do bolso e peço para a menina me dar as 30 libras que ela dizia ter. No fim, eram só 25.

- Ela não tem mais dinheiro. Dois por 75 fecha?

- Tá bom, tá bom.

E aí está. Um ingresso do cambista por 37,50 libras, com muito suor. Vamos para o campo.

Lá dentro

Fizemos nossa entrada no estádio por volta das 19h30. Fila bem organizada, uma catraca impossível de pular. Você colocava a ponta do ingresso num sensor, que lia o código de barras. Depois estava liberado para passar pela catraca.

As entradas de cada setor estão bem especificadas no ingresso e em placas do lado de fora, de forma que não é difícil se dirigir para o lugar certo. Mas nosso ingresso era da arquibancada superior, o que implicava subir seis lances de escada (confesso, deu saudade das rampas amplas do Morumbi).

Chegamos às nossas poltronas. Claro, bem marcadas e desocupadas. Sentamo-nos e apreciamos a vista.


As cadeiras são bem mais confortáveis do que as que temos nos estádios brasileiros -- todas estofadas. Em compensação, o espaço entre uma fileira e outra não é dos maiores. Para alguém passar, todo mundo tem que se levantar.

Consegui pegar a entrada dos times em campo, mas não a escalação, que foi apresentada um pouco antes. Entrei praticamente na hora do jogo, e sem nenhum problema. Convenhamos: é quase impossível fazer isso no Brasil.

Bola rolando

O jogo começa equilibrado e, francamente, bem ruim. O Burnley tentava com todas as forças vencer o Chelsea, que por sua vez não fazia grandes esforços para bater seu adversário.

Perguntei para um torcedor ao meu lado em que divisão estava o Burnley. Era da segunda divisão inglesa, a chamada Championship Division. Brinquei com a minha nova amiga palmeirense: "É mais ou menos como o Corinthians."

Ela deu risada, mas também fez um lembrete estranhamente auto-depreciativo: "É. Ou como o Palmeiras de alguns anos atrás." Pelo menos eles ainda se lembram, né?


Felipão faz uma modificação logo no primeiro tempo, colocando Lampard no lugar de Belletti (lembram dele?). E antes de terminar o primeiro tempo os Blues saem na frente, pelos pés de Drogba. Parecia que o jogo ia se desenrolar naturalmente, com o Chelsea saindo vencedor.

Isso até justificava a apatia da torcida. Os torcedores do Burnley, ocupando cerca de um quarto do estádio, faziam muito barulho, mas os do Chelsea mantinham uma postura blasé com relação à partida. Mais ou menos como jogo do São Paulo na Sul-Americana.

Mas veio o intervalo. E, com ele, outra diferença cultural entre o Brasil e a Inglaterra. Lá, todo mundo levanta e vai comer fora das arquibancadas, nos corredores. Não há vendedores ambulantes circulando pelas arquibancadas. O estádio esvazia no intervalo e enche de novo na volta.

E a volta marcou uma atitude mais agressiva do Burnley, que conseguiu empatar a partida.


No setor em que eu estava, um torcedor ousou comemorar o gol de empate. Para quê? Aquele local era destinado a quem comprava ingressos de temporada inteira do Chelsea, e o sujeito foi "instado" (para não dizer hostilizado) a sair de lá. A polícia apareceu em menos de um minuto e o tirou dali. Detalhe: não foi uma super-comemoração desrespeitosa. Foi só o suficiente para perceberem que ele ficou feliz com o gol. Mas bastou para a expulsão sumária.

Com o 1 a 1, o jogo ia para a prorrogação. E para a prorrogação foi. E dali para os pênaltis.

No gol do Chelsea, estava o péssimo e desconhecido Cudicini. Comentei com um torcedor (meio encrenqueiro, mas gente fina, que antes tinha se manifestado encantado com o futebol de Mineiro e com o estilo de Luiz Felipe Scolari) que talvez o time não tivesse suficientes bons batedores. Ele rebateu, dizendo que o goleiro era bom pegador de pênaltis. Eu disse:

- Espero que sim, porque ele não me impressionou nada durante o jogo.

E lá se foram as cinco primeiras cobranças, com 4 a 4. O goleiro do Burnley pegou uma, e o Chelsea bateu uma pra fora. O torcedor virou para mim e disse:

- Aqui no Chelsea, sempre tem emoção. -- E completou: - Ainda temos dois brasileiros para bater.

Eu respondi:

- Ainda estou esperando o seu goleiro.

Mas o Burnley converteu o seu, o Chelsea perdeu o dele, os pênaltis terminaram 5 a 4 para o time visitante, que seguiu adiante na competição.

A saída

Você pode pensar que teve confusão na saída, com a vitória dos visitantes. Mas não foi o que eu vi. Ambas as torcidas saíram simultaneamente, e a polícia, a cavalo, acompanhou a evacuação do estádio. Houve xingamentos (ouvi bastante "Fuck you Burnley!"), mas ninguém partiu para as vias de fato.

E assim partiram os 41.369 torcedores, rumo ao metrô e de volta às suas casas. Eu, de minha parte, estava feliz por ter conseguido ver um jogo na Inglaterra e ainda ter "ganho" um bônus com prorrogação e pênatis.

E aí?

Então. Não é melhor, não é pior; é diferente. Algumas coisas impressionam positivamente -- como o conforto do assentos e a visão do gramado. Outras são tão ruins lá, como cá -- cambistas e amontoados de gente na entrada. E há o que eu prefira aqui -- como o entusiasmo da torcida, e a capacidade de puxar gritos que o estádio inteiro acompanhe.

E quanto ao futebol? Aqui é mais pegado -- mais ao meu gosto. Lá não tem falta quase. É um jogo em que o fair play já é mais importante que vencer. E aí parte da graça da partida, pelo menos para mim, vai embora.

Claro, mas nada disso me impediu de deixar a Inglaterra só depois de comprar minha camisa do Chelsea. E sair com uma admiração pela diversidade do futebol, que permite que experiências em tese tão parecidas possam parecer tão diferentes e especiais.

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