Eu sempre defendi que esperássemos o time enfrentar jogos decisivos antes de criticar. Para mim, a sequência que definiria as esperanças da equipe no primeiro semestre sempre foi esta: Curíntia, Monterrey, Botafogo-SP, Santo André e Once Caldas. Esses serão os jogos que definirão as chances de o Tricolor avançar nas duas competições que disputa.
Pois bem, o primeiro desses jogos aconteceu hoje. Para os amantes do futebol, foi um jogaço. Para os torcedores do São Paulo, nem tanto. Vou tentar fazer uma análise fria da partida, embora eu reconheça que ela pode ser afetada pelas fortes emoções que senti ao longo dos 90 minutos.
Vamos lá. Ricardo Gomes mandou a campo o time que hoje ele considera titular, com apenas um desfalque: Ricky, contundido. A equipe foi a campo num 4-4-2, com
Rogério Ceni, Jean, Alex Silva, Miranda e Jr. Cesar; Rodrigo Souto, Cléber Santana, Hernanes e Léo Lima; Dagoberto e Washington.
O São Paulo começou mais objetivo, e teve logo de cara uma boa chance, com enfiada para Hernanes que invadiu a área e chutou no canto. Foi um fio de esperança que se desfez ao longo dos minutos seguintes. O Curíntia passou a dominar o meio-campo e passou a ser mais perigoso. Aos 15 minutos, eles quase chegaram ao primeiro gol: uma bola foi na trave duas vezes e na terceira foi defendida por Rogério. Era um prenúncio do que viria a seguir. Numa jogada de contragolpe, aos 18, Ronaldo toca para Elias, que avança sem marcação e só coloca no canto esquerdo de Rogério. Era o primeiro gol da partida.
O Tricolor continuou dominado pela equipe adversária, que encontrava em Danilo um excelente organizador e um ótimo marcador, tudo num jogador só. O ex-são-paulino, inclusive, fez o papel de carrasco, ao pegar uma bola na entrada da área e acertar um chute preciso, no cantinho. Com o 2 a 0, estava claro que as perspectivas para o São Paulo não eram as melhores.
A partir da vantagem de dois gols, o Curíntia decidiu cozinhar o jogo em banho-maria. Os planos foram ajudados pelas circunstâncias, pois, logo na saída de jogo após o segundo gol, Washington se enroscou com Dentinho, puxou pela camisa e tomou uma cotovelada. O juiz decidiu por expulsar os dois (há quem discuta que só o jogador corintiano merecia o vermelho, mas eu tendo a achar que o árbitro tomou a decisão mais sensata). Isso era muito pior para o São Paulo, não porque Dentinho fizesse menos falta que Washington, mas pelo fato de que o placar exigia do Curíntia muito mais postura defensiva que ofensiva.
Ao São Paulo, só restava se dedicar à missão quase impossível de fazer pelo menos dois gols, sem seu centroavante (ou qualquer outro jogador no elenco que pudesse fazer seu papel). Ao fim do primeiro tempo, o Tricolor fez metade do serviço. Bela enfiada de bola de Hernanes para Dagoberto, que fez bela finta na linha de fundo e cruzou para Jean, que vinha de trás e só teve o trabalho de mandar a bola no contrapé do goleiro, de primeira. Com o 2 a 1, surgia a expectativa de um São Paulo renascido no segundo tempo.
Para a etapa final, Ricardo Gomes promoveu uma alteração na equipe: tirou Léo Lima, que já estava amarelado e fazia partida discreta demais para quem quer armar o time, e colocou Fernandinho, restabelecendo dois atacantes à frente, embora sem a mesma presença de área que só Washington neste time consegue dar.
Novamente, o São Paulo começou melhor, e o Curíntia esperava apenas para dar o bote no contragolpe. Mas nem precisou. Numa falta feita na intermediária, Roberto Carlos chutou forte, no meio do gol. A bola não desviou em ninguém, exceto em Rogério, que espalmou pra dentro de sua própria meta. Foi, sem sombra de dúvida, o maior frango do nosso arqueiro na temporada (embora não o primeiro).
Com o 3 a 1, aos 8 do segundo tempo, a fatura parecia liquidada. O São Paulo continuava preservando a maior posse de bola, mas sem produtividade alguma. Pouca movimentação no meio-campo, contra uma defesa bem postada, e as chances de reagir pareciam mínimas. O time, por sua vez, parecia tranquilo, como se nada houvesse (em retrospecto, parece ter sido a atitude correta, mas dá aflição agonizar com o resultado e ver um time que parece não se importar). Eis que, numa cobrança de falta, Hernanes chutou, o goleiro deles (o reserva, não sei o nome) rebateu, e a bola sobrou para Rodrigo Souto empurrar para a rede. Com o 3 a 2, a esperança, aos 27minutos do segundo tempo, ao menos estava restaurada.
A despeito do risco maior, Mano Menezes fez alterações em seu time para se defender. E Ricardo Gomes buscou ainda mais presença ofensiva, tirando Hernanes e colocando Cicinho (Jean passou para o meio com a alteração). A mexida deu certo e o São Paulo começou a criar mais pela direita. Mas não foi nem por isso que, milagrosamente, o Tricolor chegaria ao empate. Mais uma vez numa bola parada, o Tricolor levantou para o segundo pau; o goleiro deles falha de novo, sai caçando borboleta; e a bola encontra a testa de Rodrigo Souto, que cabeceia com força e precisão, obtendo o improvável empate Tricolor.
Eram 38 minutos do segundo tempo. Um golpe mortal no Curíntia. O empate era ótimo para nós, péssimo para eles. Mas Ricardo Gomes queria vencer. Tirou Dagoberto, cansado, e colocou Marlos, novo em folha, com a instrução para atacar. O Curíntia também foi obrigado a sair de trás, e Mano Menezes colocou Iarley, então no ostracismo na Marginal S/N. No desespero, o time de branco veio, e para nós sobraram os contragolpes. Em duas ocasiões (uma com Cicinho, onde foi marcado um impedimento que a TV tendenciosa não repetiu, talvez por medo de vermos condição legal; outra com Fernandinho, num 3 contra 2 em que o atacante não teve calma ou visão para tocar a bola e fazer a assistência), quase chegamos ao gol da vitória.
Eis que, depois dos 45 minutos, Iarley cruza uma bola para a área do São Paulo. Alex Silva sobe com firmeza e testa a bola na direção da linha de fundo. Mas a dita cuja morre no fundo da rede. Com o gol contra, estava sacramentada a derrota do Tricolor, num jogo dramático que, infelizmente, não terminou bem para nós.
Bem, esta foi a história do primeiro teste real do São Paulo 2010, sob o comando de Ricardo Gomes.
O que aprendemos com ela?1) O planejamentoO planejamento do São Paulo, diante da maliciosa tabela do Paulistinha, que colocou clássicos sempre imediatamente antes de jogos da Libertadores, fracassou além de qualquer dúvida. Sempre foi opinião uníssona da
Imprensa São-Paulina que a Libertadores deveria ser priorizada, à custa dos clássicos. Diretoria e comissão técnica entenderam diferente, o que é compreensível e não chega a ser um erro, por si só. O que caracteriza o erro é que, apesar de colocar força máxima contra os grandes do estadual, perdemos todos os jogos, produzindo um desgaste desnecessário para os confrontos difíceis da Libertadores.
2) O timeDois problemas flagrantes do São Paulo foram desnudados nesta partida: a criação de boas jogadas de ataque depende de peças no meio-campo que, na melhor das hipóteses, apenas ocasionalmente se mostram capazes de tal feito. Para entender o que estou falando, basta contrastar a atuação de Danilo, do Curíntia, com a de Léo Lima. Até mesmo na comparação com Hernanes, o ex-são-paulino se sai melhor. É uma peça que falta no São Paulo na maioria dos jogos.
3) Os golsAqui, o segundo problema. Apesar dos 3 tentos obtidos hoje, fica clara mais uma vez a dependência que o time tem da presença de Washington em campo. Jogando bem ou mal, ele é a referência de ataque, que passa a inexistir quando jogamos com outros atacantes do elenco. Borges faz uma falta danada como opção, apesar do atrito que gerava a presença de dois centroavantes meio equivalentes no elenco. A expulsão de hoje foi ruim para esta partida e também para a próxima, decisiva, diante do Botafogo-SP. Quem fará os gols? Rodrigo Souto e Jean?
4) A posturaO São Paulo manteve a frieza no jogo todo, exceto pelo momento da expulsão de Washington, que, claramente, era o jogador que menos queria perder esta partida (depois das bolas na trave do Curíntia, ele saiu vibrando da defesa, numa tentativa de incentivar o time). É um jeito de jogar que irrita demais. Irrita mesmo, porque o torcedor está lá, sofrendo, e não enxerga vibração do time. Mas, por outro lado, convenhamos: de nada adiantaria o time ter se desesperado, jogado bolas de chuveirinho, dado mais chutões, em vez de ficar trocando passes inofensivos na intermediária do adversário. A postura não está intrinsecamente errada; errada está a falta de criação e movimentação, abordadas no item 2. Ainda assim, nada no time parece dar aquele "clique" de que a atitude está minimamente correta. Parece um time de zumbis em campo, que não sente a emoção do jogo (mesmo com a torcida adversária ofendendo-os a partida inteira, non-stop).
5) O treinadorPara mim, esta partida marca o início do julgamento de Ricardo Gomes. Era importante empatar, pelo contexto do torneio, e era importante vencer, por conta da rivalidade. Embora tenha tentado isso, fracassou. Embora não seja um mata-mata, é um momento de decisão. Nessas horas, não pode fracassar. Eu diria que a última chance dele de errar foi esta. Se falhar contra Monterrey ou Botafogo-SP, dificilmente teremos chance futura de recuperação. E, de novo, embora goste em geral do trabalho e da mentalidade dele, não vejo no time a "vibração" e o "espírito" exigidos para as tarefas à frente. Tomara que eu esteja errado, mas, no primeiro teste, nosso time e nosso treinador deixaram a desejar, apesar do jogo disputado, das falhas que ocasionaram 2 gols para cada lado, e da capacidade de recuperação de um jogo que estava 3 a 1 para o rival, na casa dele. Se tivesse empatado, estaria tudo bem. Mas, com o fatídico gol no final (coisa que acontece no futebol), Ricardo Gomes toma sua primeira nota vermelha na sequência de provas bimestrais. Não poderá tomar outras, sob pena de repetir de ano.