sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Melancolia de um gigante em queda livre

Uma eliminação na Libertadores é sempre doída. Numa semifinal, mais ainda. Para uma equipe brasileira, então, nem se fale. Mas o assunto do momento não pode -- e não deve -- ser a "vitória-derrota" no Morumbi ontem. O tema que deve estar na cabeça de todos os são-paulinos é a imensa série de cagadas protagonizadas por nossa diretoria neste ano de 2010. Acho que, de tanto falar do "Soberano", nossos dirigentes acabaram acreditando na própria propaganda que criaram.

Soberania se constrói com trabalho e dignidade, não com bravatas e sandices. O que eu vi ontem, em campo, no Morumbi foi muito trabalho, muito esforço e muita dignidade, provenientes de nossos jogadores-guerreiros e (por que não?) de nosso agora ex-treinador.

Sim, há quem critique o trabalho do Ricardo Gomes, e eu mesmo não sou o maior entusiasta dele, mas nunca faltou postura e respeito, seja com o próprio grupo, seja com os adversários. O exemplo, infelizmente, não veio de cima.

De Juvenal Juvêncio e dos cartolas que os acompanham, eu vi uma arrogância que, fosse acompanhada por competência, poderia até ter perpetuado a lenda do "Soberano". Mas não foi assim que aconteceu.

Essas coisas todas estão na garganta faz tempo, mas decidi esperar o fim da Libertadores (com vitória ou com derrota) para manifestá-las, porque não me sentia à vontade para criticar em meio a decisões tão importantes no campo. Agora é o momento preciso para que elas sejam colocadas, já que se fala tanto em "renovação".

1. A base

Ironicamente, no mesmo ano em que conquistamos a Copa SP, enfrentamos a maior crise já protagonizada por nossas categorias de base. Claro, não foi culpa da diretoria que um empresário malicioso se infiltrou por Cotia e aliciou os meninos, fazendo com que se voltassem contra o clube. Mas o problema -- assim como o baixo aproveitamento das revelações tricolores na Barra Funda -- nasceu de uma situação mais delicada, que envolve um conflito entre o pessoal de Cotia e a turma do profissional. Claramente a vasta estrutura do clube não está sendo gerida da maneira mais correta, e a diretoria é lenta e arrogante para mudar. Precisou tomar na cabeça para fazer contratos mais condizentes com os moleques e começar a usá-los. Algumas lições já foram aprendidas (da maneira mais dolorosa), mas ainda falta muito para que Cotia, Barra Funda e Morumbi se sintam parte da mesma coisa, o São Paulo Futebol Clube. A base, o profissional e os cartolas precisam falar a mesma língua, o que não tem acontecido nos bastidores do Tricolor.

2. O Morumbi e a Copa-14

Não vou criticar o desejo manifesto do São Paulo de sediar jogos, quiçá a abertura, da Copa do Mundo. Acho importante estrategicamente para o clube, e aprovo boa parte dos esforços (seja por lobby, seja por trabalho) conduzidos pela diretoria. Mas duas coisas jamais poderiam ter acontecido e aconteceram. Primeiro, esse projeto jamais poderia estar acima dos interesses maiores do próprio clube (leia-se, o futebol). Segundo, o São Paulo não poderia jamais ter pretendido vencer esta batalha com protelações e enganações. As duas coisas aconteceram quando o Tricolor submeteu o projeto que havia sido aprovado pela FIFA. Ele feria os interesses do clube ao obrigar o Morumbi a fechar por dois anos para um reforma e era claramente enganoso, porque o SPFC jamais teve a intenção de executá-lo. Foi apenas uma manobra -- uma cara manobra -- para obter o aval técnico da FIFA e reforçar, para o público leigo, a situação do estádio perante o Comitê Organizador Local (Ricardo Teixeira). Não era preciso orçar detalhadamente para saber que o fechamento do estádio, exigido pelo projeto, seria uma tragédia para o clube. Pois, se assim o era, jamais deveria ter sido submetido. Esta é uma guerra que o SPFC ainda tem boas chances de vencer, e admito que essas chances vêm da política protelatória adotada por Juvenal Juvêncio, mas jamais poderei subscrever uma estratégia que busca subterfúgios para atingir seus intentos. Os fins não justificam os meios.

3. A arrogância do patrocínio

Quem deve estar dando muita risada a essa altura são os executivos da LG. Eles chegaram a oferecer uma proposta maior (R$ 24 milhões, se não me engano) para o São Paulo, numa tentativa de se manter na camisa. Foram descartados pela diretoria sob o argumento de que a camisa Tricolor valia muito mais, *pelo menos* a mesma coisa que valia a do Curíntia, em ano de centenário, com Ronaldo Gordo no elenco. Tá, legal. Eu sou são-paulino. Para mim, pessoalmente, a camisa do Curíntia é um pano de chão mal-lavado, e o manto sagrado Tricolor tem valor inestimável. Mas essa é a visão do mercado? Faltou humildade à diretoria, num primeiro momento. E, num segundo, faltou coerência. Juvenal e seus comandados não estavam prontos para ficar sem patrocínio? Então por que não ficaram? Porque a água começou a bater na bunda, e tiveram de se rebaixar cada vez mais, até chegar ao fundo do poço -- ver a camisa da semifinal da Libertadores ter patrocinadores que costumamos ver na camisa de equipes como o Grêmio Prudente (e que ninguém venha me dizer que valeu R$ 1 milhão). Não tenho dúvida de que hoje o patrocínio do São Paulo vale menos do que quando começou a temporada, o que só pode ser traduzido como uma atuação desastrosa da diretoria.

4. Conflitos de diretoria

Não é de hoje que um diretor do SPFC fala "A" e o outro fala "B", e os dois fingem que estão dizendo a mesma coisa, quando não estão. Basta ver o que diz Leco e o que diz João Paulo Jesus Lopes, confrontar uma coisa com outra, e tentar conciliar. A saída de Marco Aurélio Cunha da diretoria (anunciada hoje) e o "sumiço" de Júlio Casares -- o mais competente dos membros da atual direção -- sugerem que há um racha dentro do próprio grupo dirigente do Tricolor. Se o Juvenal Juvêncio não consegue nem mesmo convencer seus diretores de que sabe o que é melhor para o clube, como poderá convencer a nós? Tem muito mais confusão debaixo do cobertor do que sugerem as aparências sempre serenas dos seguidores do "regime presidencialista" do SPFC.

5. Demissões e dispensas fora de hora

Você disputa as quartas-de-final da Libertadores contra um time fortíssimo. Joga bem os dois jogos, ganha com autoridade e vai como favorito para a semifinal. Nessas condições, o que você faz? Idealmente *NADA*. Há quem reclame que era a hora exata para mandar embora o treinador e preparar o time para o confronto decisivo durante o recesso da Copa do Mundo. Não questiono essa iniciativa, o Inter fez e deu certo. Mas eu não teria feito, então não vou cobrar a diretoria por isso. Falar depois do fato é mais fácil.

Agora, o que a diretoria fez? Demitiu, por telefone, o criador do badalado Reffis, professor da Unifesp, são-paulino de coração e funcionário do clube durante 25 anos. Isso mesmo, um quarto de século. Para cada 3 anos que o SPFC existiu, em um ele estava lá. Como explicar a demissão de Turíbio Leite de Barros? Até agora ele mesmo (que, admito, é meu padrinho, mas se não fosse eu não falaria nada diferente) está sem entender. Foi a tal "onda da renovação". Mas onda da renovação em véspera de jogo decisivo??

A mesma coisa se pode dizer da saída do Cicinho. Tava jogando o fino da bola? Não, longe disso. Mas era a peça que tínhamos para a função e o time tinha se acertado e feito dois grandes jogos com ele. Como perder esse jogador às vésperas da decisão? Dizem alguns que a diretoria fez de tudo. Eu acho que fez muito pouco, e por uma razão simples: estava sem grana para manter a folha salarial completa. De que outra maneira explicar a saída de Washington e a quase saída do Cléber Santana?? Tudo bem, com a chegada de Ricardo Oliveira, o Coração Valente ficou definitivamente sem espaço. Mas aí você "dá" o jogador? Peraí, tem um desespero aí que não combina com a palavra "planejamento".

Com tudo isso, de quem é a culpa?

Ninguém está dizendo que o SPFC é como outros clubes, em que não há nem resquício de seriedade e nem mesmo a garantia de receber o salário em dia o jogador tem. Mas com tanta confusão (e alguma acomodação), dá para achar um bode expiatório? Claaaro que dá! Afinal de contas, de toda essa história, 99% dos torcedores só enxergam quem está em campo. E, de todos, qual é o mais vulnerável? O treinador. Ricardo Gomes (que, repito, não fez um trabalho brilhante, mas também está longe de ser o pior treinador que já vi) pagou esse pato. E a diretoria segue fingindo serenidade, sem pressa de contratar o substituto.

Na minha opinião, está na hora de trocarmos quem dá as cartas no clube. Não que eu não tenha imenso apreço pela gestão Marcelo Portugal Gouveia e Juvenal Juvêncio, uma das mais vitoriosas da gloriosa história do SPFC. Mas a beleza da democracia é isso: tem hora que é melhor um, tem hora que é melhor outro. Está na hora de mudar. Fica a torcida por uma oposição responsável -- mas também forte -- que possa promover esse rodízio e trazer novos métodos e ares aos escritórios do Morumbi.

12 comentários:

Anônimo disse...

O Proximo Tecnico tem que ser MAIOR que o Time e Menor que o Clube

Junior Gonella disse...

Belo texto Salvador !!!

Infelizmente e "por enquanto" não estou lá no meio para me usufruir e saber de coisas que você disse nesse POST.

Caro anônimo, técnico maior que o time, podemos achar..., menor que o clube, TODOS serão.

Junior Gonella
Blog: http://umguiabrasileiro.blogspot.com

Michel Toniato disse...

Porra, finalmente encontrei um torcedor que consegue enxergar nossa realidade conforme ela se apresenta.
Penso de maneira semelhante a vc Salvador, depois da uma olhada no que eu escrevi.
Abraço

Anônimo disse...

O Leco não picas nenhuma de futebol. Senão teria percebido lá pelo segundo segundo ou terceiro mes que o Ricardo Gomes interpretava de maneira totalmente equivocado as formações adversárias e ja teria aberto o caminho para desisitir da aposta. Foi preciso perder uma libertadores para se renderem ao óbvio. TEm que tirar o Leco, colocar alquem responsavel no lugar e só entaõ contratar um novo tecnico.

Gilson disse...

Salvador falou tudo...como eu disse várias vezes não adianta xingar o RG e alguns jogadores sem nenhum comprometimento com o clube...a culpa é de quem os mantem lá....errar faz parte, mas não corrigir os erros e fingir que tudo vai melhorar sozinho é omissão ou alguem está ganhando, e muito bem, por tras de tudo isso.

Ricardo Krussel disse...

E o filme se repete.

Mais uma eliminação por um time brasileiro na Libertadores.

E novamente a culpa é toda do técnico.

E como de costume, a diretoria tenta sair ilesa. Como se nada tivesse a ver com o planejamento feito para a competição.

Como se nada tivesse a ver com as cinco contratações bizonhas vindas das Laranjeiras, sendo que de todas, a única que podemos dizer que deu certo é a de Júnior César. Um lateral que está longe de ser um jogador dos sonhos, mas vá lá, está segurando a onda.

Como se nada tivesse a ver com o fato de não termos um camisa 10 há tempo tempo. (Eu trocaria todos os cinco que vieram do Fluminense pelo Conca, e você?)

Como se nada tivesse a ver com a atitude de demitir Muricy por este não ter estirpe, ao contrario de seu sucessor, um legítimo lorde.

Como se não tivesse culpa alguma por apostar em uma incógnita em vez de contratar o cara certo para comandar o time.

Precisamos de diretores jovens tanto de espírito quanto de visão.

O São Paulo não pode ficar à mercê de velhotes cheios de arrogância, presunção e soberba, que insistem em colocar o clube acima dos demais quando a verdade é bem outra.

Porque demitir um técnico sem ter ninguém em vista é algo que nem o XV de Piracicaba faria.

Ricardo Krussel disse...

Maravilhoso post, Salvador. Concordo com você na íntegra. E tem uma frase do seu post que, a esta altura, deveria estar gravada em uma faixa bem em frente à sala do presidente.

"Soberania se constrói com trabalho e dignidade, não com bravatas e sandices."

Abraço e parabéns

Unknown disse...

Só não acho que o Ricardo Gomes foi bode espiatorio, afinal quem renovaria o contrato com ele? Você renovaria para mandar ele embora daqui 4 ou 5 meses?
Nesse ponto a diretoria fez certo em não renovar.

Ricardo Krussel disse...

pprestes,

o fato da diretoria ter chutado Gomes no dia imediatamente seguinte à eliminação do time, sem ter nenhuma perspectiva quanto ao seu sucessor, deixa a entender à torcida e imprensa, que ele é o maior culpado pelo fracasso.

Chutando o técnico dessa maneira, a diretoria consegue, ao mesmo tempo, fugir dos holofotes e colocar outro assunto debaixo dele: quem será o novo técnico do São Paulo?

A questão é: estratégias como esta são comuns a qualquer tipo de diretoria no Brasil e no mundo.
O que eu discuto é: como acreditar que temos uma diretoria diferenciada quando ela, na prática, age igual a todas as outras?

P.S.: Se demitir alguém sem ter ninguém em vista para o cargo é algo inaceitável a qualquer empresa, o mesmo cabe a clube do tamanho do nosso. O Baresi é nada mais do que um tampão. E ele só está lá porque não tinha mais ninguém. Não me venham dizer que ele está aí por merecimento pela conquista da Copinha este ano porque eu não engulo.

Ricardo Krussel disse...

Só para concluir: acho que, ao menos, a diretoria deveria ter feito um contrato diferente com o Gomes. Não fez. Não levou em conta a hipótese de eliminação? Talvez. Não planejou corretamente? Isso com certeza.

Rodrigo Sleiman disse...

Com relação ao Turíbio, li q ele foi demitido por envolvimento com o esquema de jogadores da base que foi protagonizado por Giuliano Bertolucci (nao lembro bem, mas o rolo mesmo era com o filho dele e por dedução acharam q ele foi no minimo omisso..)

Com relação ao RG...Na boa, ele caiu mto pela tara q ele tinha pelo R20 q apesar de dar mto alternativa tatica, é tecnicamente deplorável e mesmo taticamente dificilmente guarda posição... e o ápice foi mexer na defesa, deslocando Miranda e Alex Silva colocando Xandao no banco pra colocar o R20 (até entendo q ele fez isso pq o 3 5 2 é sempre vulneravel ao 4 2 3 1, mas nao justifica pq o R20 é um péssimo jogador... Isso tirou a confiança dos jogadors pq a defesa ficou vulneravel... e no jogo do Beira Rio a preocupação em marcar foi exagerada e o time foi dominado e ficou omisso até tomar o gol, e depois no desespero começou atacar logicamente sem nenhuma organização... Minha dúvida é entre os piores: Oswaldo de Oliveira ou RG

Com relação ao JJ ele é sim péssimo... é como diz o Rica: Pense um time de futebol que o técnico é pessimo, mas o 10 é um craque, que organiza o time e leva a equipe nas costas, e essa equipe vai vencendo sempre... o tecnico tera a imagem de bom, mas nao é. O dia que esse 10 sair, o tecnico se revelera incmpetente... Foi assim com o JJ... Depois q o MPG morreu, o JJ ficou perdido, pq até 2008 mesmo sem presidir, quem organizava esse time era ele.. Depois disso conhecemos de fato a Administração (digo coronelismo) JJ

Ricardo Krussel disse...

Boa, Rodrigo! Assino embaixo suas considerações sobre o RG e JJ. SOS-Nossa aeronave está sem piloto.